Como é viver numa sociedade individualista

Desde a primeira vez que viajei à Alemanha, há mais de dez anos, tenho comparado os modos, costumes e ideais das pessoas sem entender direito como sul-americanos e europeus, por exemplo, podem ser tão diferentes.

Por que, em alguns lugares, religião é tão importante, políticos são tão corruptos e pessoas são tão simpáticos, enquanto outros países já rumam há muito tempo ao estabelecimento de uma sociedade individualista e de sexo neutro?

Lendo The Ethics of Authenticity (A Ética da Autenticidade), do filósofo canadense Charles Taylor, pude finalmente perceber quão bobo era ficar observando as pessoas em vez de prestar atenção nos ideais morais que dão suporte às suas sociedades. No livro, Taylor me ajudou a entender que diabos está acontecendo nos EUA, Canadá e em alguns países europeus. Consequentemente, também ficou claro por que algumas nações mais ao sul tendem a ser tão resistentes às influências do norte.

Deve haver muito mais gente confusa por aí. A maioria sem saber no quê acreditar, o que almejar, como se satisfazer e, o que é ainda pior, muitas pessoas sem saber quem são. Se você é uma delas, deixe-me tentar ajudar dando uma breve explicação pra tudo isso e me perdoe se ela parecer simplista demais.

Liberdade e igualdade

Você se lembra do que os revolucionários franceses exigiam? “Liberté, égalité et fraternité”. Ou seja, democracia. O Oeste (prefiro dizer “Noroeste”) matou os três coelhos com uma só cajadada: Justiça.
Com igualdade e liberdade garantidas por lei, os cidadãos puderam confiar no Estado e as hierarquias sociais começaram a desmoronar. Quando as pessoas se deram conta de que não precisavam mais seguir os dez mandamentos de Deus e implorar pela misericórdia dele, a religião e seus valores se tornaram obsoletos.

Agora pense no que aconteceu quando as pessoas deixaram de acreditar em Deus e passaram a procurar realização ou satisfação pessoal do jeito que bem entendiam.

Consequências

De acordo com Taylor, isso levou ao individualismo e ao desencantamento do mundo, tornando o solo fértil para o crescimento de um leve relativismo e do instrumentalismo – alguns termos peculiares que estão interrelacionados e são fáceis de entender.

Em outras palavras, os indivíduos perderam a fé em algo “maior” e se voltaram a si próprios (individualismo e desencantamento do mundo); ninguém mais pôde dizer aos demais o que é bom e ruim (relativismo); e tanto a natureza quanto os próprios humanos passaram a ser considerados meros instrumentos para a realização pessoal dos indivíduos (instrumentalismo, o motor principal do capitalismo).

Por um lado, uma sociedade assim permite que você seja como você bem entender, sem que alguém lhe diga o que fazer ou como agir. Por outro lado, ninguém dá a mínima pra você. Já que os indivíduos são levados a buscar auto-realização de forma autônoma, também não há mais a necessidade nem o dever de ajudar os vizinhos. É esse o lado egoísta do individualismo que faz os alemães dizerem tanto “Das ist nicht mein Problem” (Isto não é problema meu).

Dilema

Como Taylor aponta, as pessoas têm agora mais um “problema”: encontrar sua própria identidade. Se não somos mais “filhos de Deus” e se a maioria das posições hierárquicas da sociedade desapareceram, quem somos nós? Alguém pode se perguntar estes dias: “Beleza, agora que somos todos livres e temos os mesmos direitos de sermos quem quisermos, como posso me diferenciar dos outros?”

Eis uma contradição curiosa: queremos ser iguais, mas ao mesmo tempo especiais. Olhe ao seu redor: o mundo está cheio de melhor disto, os top 10 daquilo, os mais disto e a lista do ranking daquilo. Ainda desejamos ser diferentes. E queremos ser autênticos.

Agora pense nisto: Quem vai validar a sua autenticidade? Quem vai confirmar a sua identidade? Talvez falemos disso uma outra hora.

Nenhum comentário: