Lothar Schulz: fome de liberdade

Muitas das viagens que fazemos são marcadas por cenas, sons e acontecimentos, mas há também pessoas que encontramos no caminho e jamais esquecemos. Lothar Schulz foi uma delas na minha vida.
Quando nos conhecemos no camping em que eu trabalhava em Roma, o alemão tinha 56 anos e estava apenas começando uma viagem de bicicleta pela Europa. Recentemente, nos reencontramos em Berlim, onde o ex-engenheiro finalmente resolveu sossegar um pouco em outubro de 2009.

O tempo entre nosso primeiro e segundo encontros foi de 4,5 anos. Quando encerrou a viagem oficialmente na capital alemã, o computador da bicicleta marcava 53,7 mil quilômetros – percorridos durante quatro anos em 19 países.

O mais interessante, porém, não é a quilometragem em si, mas o combustível que move os músculos desse loiro alto de 60 anos com disposição de homem de 30.

Sonho de liberdade

O nascimento do Herr Schulz foi registrado em 1950 no hospital da pequena Altruppin, ao norte de Berlim. Desde o ano anterior, quando a Alemanha havia sido dividida, a cidade fazia parte da República Democrática da Alemanha (RDA), a “Alemanha Oriental”.

Na juventude, Lothar começou a se incomodar com a opressão do regine comunista e passou a sonhar com variados conceitos de liberdade. Além de não poderem ir a várias partes do mundo, ele e os compatriotas não tinham autonomia para escolher que carreira seguir, muito menos liberdade para expressar o que pensavam.

Em 1978, participou de uma demonstração em Berlim e foi preso. Três anos depois, conquistou a liberdade que tanto queria sendo expulso do país e imigrando na “Alemanha Ocidental”.

No Oeste, Lothar se valeu da formação como engenheiro para se destacar profissionalmente e realizar viagens constantes à Inglaterra e França a trabalho. Mas essas jornadas não bastaram para satisfazer a fome que ele tinha de conhecer outras culturas. Por isso, depois de juntar dinheiro por 1,5 década, Em 2005, iniciou a tal viagem de bicicleta.

Na bagagem, Lothar levou consigo poucas roupas, uma câmera digital, dicionários e uma barraca, dentro da qual passou a maioria das noites nesses quatro anos de aventuras e descobertas. Além de desafiar a natureza sob sol e chuva, ele foi atropelado duas vezes na Espanha. Lembrando a experiência, ele diz: “É mais forte que heroína. Atravessar diferentes países e dormir em condições simples em contato intenso com a natureza é algo que me fascina muito mais que drogas para outras pessoas.”

Hoje

Atualmente, o engenheiro se mora feliz em um apartamento de 27 m² com vista para o campo longe do centro em Berlim. Além de se exercitar na academia do condomínio em que mora, nos dias de sol, costuma deixar a casa de bicicleta. “Nunca vou me tornar um aposentado; só vou me acalmar no cemitério”, diz.

Lothar nunca fumou, evita cafeína e não exagera na cerveja. Mas não é só isso que o torna um exemplo de superação. Ele é interessado em política, aprendeu italiano e espanhol na marra quase aos 60 anos e está planejando a próxima empreitada a pé de Berlim até Moscou. “Dessa vez documentando tudo para fazer um filme”, revela. Quer mais?

Mercados de pulgas

Mercados de pulgas existem em vários países europeus, sobretudo na Itália, Espanha, Holanda, Bélgica, Espanha, Inglaterra e Alemanha.

Na Alemanha, onde são chamados de Flohmärkte, Trödelmärkte ou Antikmärke, eles reúnem diferentes povos vendendo ou à procura de objetos muitas vezes excêntricos.

Em 13 de março, foi realisada mais uma edição do maior mercado de pulgas noturno de Berlim (Nacht-Flohmarkt in den Rathenauhallen in Oberschöneweide). Cerca de 170 comerciantes expuseram as mercadorias em um espaço coberto de mais de 8000 m².

Veja o que descobri sobre a organização do evento e que histórias estão por trás dos objetos aqui.

Cidadania italiana

A Itália tem pouco mais de 60 milhões de habitantes. No entanto, provavelmente cerca de 60 milhões de cidadãos brasileiros, argentinos e estadunidentes também têm “sangue italiano”. A Embaixada Italiana em Brasília estima que o Brasil tem 25 milhões descendentes dos imigrantes que chegaram ao país principalmente a partir da década de 1870.

Como você já deve saber, vários desses descendentes têm se esforçado para conseguir a dupla cidadania e conquistar, com isso, o direito de ir à Europa quando bem entenderem e permanecer quanto tempo quiserem.

Como é fácil de compreender, a procura é desproporcional ao contingente dos consulados e ao interesse dos italianos em concederem a dupla cidadania. Assim, milhares de pedidos tanto de brasileiros quanto de argentinos de reconhecimento da cidadania italiana estão emperrados há anos nos consulados desses países sul-americanos. Por isso, os descendentes mais dispostos vão pessoalmente até a terra natal dos antepassados em vez de esperar sentados.

Foi o que fiz em 2005. Cheguei em Roma como brasileiro e, sete meses depois, saí de lá como italiano. Dois anos mais tarde, foi a vez da minha mãe repetir a história, já que o reconhecimento da minha cidadania não implicava no reconhecimento da dela. Apesar do tempo passado, acredito que pouca coisa tenha mudado nos procedimentos básicos. Espero que estas dicas possam ajudar:

Ainda no Brasil

Só pense em ir para a Itália quando tiver:

- todos os documentos originais necessário, conforme os sites dos consulados especificam;

- a tradução deles feita por um tradutor juramentado*;

- a autenticação dos documentos com suas respectivas traduções, feita pelo consulado italiano que atende a região em que você mora**.

* O site do “seu” consulado deve ter uma lista com os tradutores juramentados do seu estado.
** Uma taxa é cobrada e também deve haver uma fila de espera para isso, mas nada melhor do que ir pessoalmente cedinho ao consulado para tentar conseguir os tais carimbos.

Na Itália

Se não tiver um visto de estudante ou de trabalho, você pode entrar na União Europeia como turista. Turistas recebem automaticamente um visto de três meses e não podem trabalhar. Mostrar todos os documentos e contar o porquê da sua viagem à Itália não irá alterar o tipo ou o prazo do seu visto.

A cidade em que você irá residir deve ser a mesma em que você “dará entrada no processo” de reconhecimento da cidadania. Porém, não precisa ser a cidade em que seu parente italiano nasceu.

Assim que chegar à cidade que tiver escolhido, a primeira coisa a fazer é se registrar na polícia logo na primeira semana. Não espere cordialidade, esteja bem atento aos horários de abertura de tudo que é público e acostume-se desde essa etapa a seguir as instruções burocráticas nos mínimos detalhes. Uma manhã inteira de viagem até a polícia e na fila de espera com estrangeiros das mais variadas partes do mundo podem ser em vão se um formulário ou uma foto estiverem faltando.

Com o tal registro em mãos, o próximo passo é procurar um lugar onde você possa morar oficialmente. Isso significa que você deverá se inscrever como residente naquele endereço. A inscrição é feita na anagrafe della popolazione residente (APR), uma extensão da prefeitura encarregada dos registros de nascimento, matrimônio, divórcio, adoção, óbito e naturalização. Cidades grandes têm várias anagrafi. Procure a do seu bairro.

Aqui, prepare-se para enfrentar dois impecilhos:

- alguns funcionários públicos podem hesitar em lhe dar esse registro porque “você é um turista”;

- a própria pessoa que lhe aluga o imóvel ou cômodo pode se negar a registrar você na casa.

Se tudo correr bem, você se registra e espera até que algum oficial lhe faça uma visita surpresa naquele endereço. Não tem nada de mais. É abrir a porta, deixa-lo(s) entrar, ver que você mora mesmo ali, assinar um documento ali e pronto. Alguns dias depois, constará na anagrafe que você é, oficialmente, residente na Itália.

Algumas pessoas procuram entidades da Igreja ou organizações não governamentais e conseguem esse registro de residência muito mais fácil e rapidamente. Se você optar por essa busca, é mais provável que tenha êxito numa cidade grande.

Com o registro na polícia, a comprovação da residência e todos seus documentos originais, traduzidos e autenticados, você deve se dirigir ao Comune (prefeitura) para, finalmente, solicitar sua naturalização. Por via das dúvidas, é bom levar também cópias dos documentos conseguidos nos dias anteriores e algumas fotos extras. Em casa, não custa guardar cópias de todos os papeis que você levou do Brasil.

Na prefeitura, algum funcionário analisa todos os documentos e lhe diz se está faltando algo. Torça para que não esteja. Depois disso, você recebe um comprovante de que “deu entrada no processo” e “aguarda até que alguém lhe contate” quando tudo estiver pronto. Como “quem espera, nem sempre alcança”, sugiro que você anote os telefones e nomes de quem lhe atendeu e, a partir de um ou dois meses depois desse dia, comece a ligar a cada semana ou quinzena cobrando um parecer.

Essa é a parte mais demorada do processo. Segundo os funcionários da prefeitura, esta cobra do consulado que autenticou sua papelada no Brasil uma confirmação da veracidade da sua identidade e de todos os documentos. Pode levar dois meses, três, quatro... ou um ano. Por isso pode ajudar ficar cobrando. Depois que receber a confirmação do consulado, a prefeitura deixa sua naturalização pronta em minutos.

Com a naturalização em mãos, é hora de correr atrás dos seus documentos de identidade italianos. O primeiro deles é a certidão de nascimento, que lhe é feita instantaneamente na sua velha conhecida anagrafe. É apenas uma nova certidão em italiano, com os mesmos dados da sua brasileira.

Em seguida, requeira ali mesmo a carteira de identidade. É necessário que duas testemunhas estejam presentes para confirmar que você é você. Por isso, leve amigos ou peça para alguém ali mesmo para lhe fazer esse favor.

Por último, você pode ir à polícia para solicitar seu passaporte italiano, o qual deve ficar pronto em até três semanas. Por favor, não me culpe se demorar mais.

Para a identidade e o passaporte, também existem várias instruções – fotos assim e assado e cópias disso e daquilo - , mas nada que não se possa resolver em meio dia de correria.

Se quiser permanecer na Itália, você ainda precisará de um código fiscal, uma conta bancária e por aí vai. Mas isso você já pode descobrir lá, não é mesmo?

Com organização, otimismo e um bocado de sorte, 4-6 meses na Itália podem ser o suficiente para se tornar um cidadão da União Europeia e ficar livre para escolher onde viver na Itália ou em qualquer outro país europeu. Buona fortuna!

Recepcionista num navio cruzeiro no Mediterrâneo


Eu não tinha ideia do que me esperava quando cheguei com uma mochila enorme nas costas e o passaporte italiano novinho no bolso em Palermo, na Sicília, em dezembro de 2005.

Eu era o novo contratado da Costa Crociere, empresa com uma das maiores frotas de navios cruzeiros do mundo. Quando vi o gigante Costa Fortuna ancorado, fiquei espantado com a dimensão da “nave” e não pude evitar o frio na barriga. Me mudado várias vezes eu já tinha, mas nunca para um navio.

Quatorze andares, centenas de cabines, vários restaurantes, piscinas, lojas e uma série de outras atrações. Havia até teatros, cassino e spa a bordo. Nos primeros cinco dias, a embarcação permaneceu ancorada na capital siciliana, enquanto uma revisão geral era feita em praticamente todos os compartimentos. Nesse período, aproveitei para conhecer o que e quem podia e participei de um treinamento intensivo com os demais dez front desk operators, meus colegas de trabalho da recepção.

Dias antes do Natal, o Costa Fortuna partiu com cerca de 1700 tripulantes e 3300 passageiros. Assim que nos afastamos da terra firme, foi feita uma simulação de incêndio, o que serviu para “quebrar o gelo” entre tripulantes e turistas. Horas mais tarde, éramos uma verdadeira cidade em alto-mar – ainda que um mero pontinho visto lá de cima, no céu.

Os contras

Não demorou muito para que o encantamento fosse substituído pelo estresse. A recepção ficava aberta 24 horas por dia. Em frente a ela, filas de passageiros de todas as idades e com os mais variados anseios eram formadas a maior parte do tempo. As pessoas faziam perguntas sobre direções ou o cardápio, iam registrar cartões de crédito para o pagamento, reclamavam sobre defeitos nos banheiros de suas cabines e por aí ia.

Como front desk operator, eu tentava resolver o problema de todos falando seis línguas e mantendo sempre a calma. Sempre de terno e gravata e em pé. Nove, dez, até quinze horas por dia.

Além da sobrecarga no trabalho, tinha de conviver com o cinismo e a falta de cordialidade dos superiores. Minha própria chefe, a chefe dela e o chefe da chefe dela, por exemplo, pareciam mais estar contra os funcionários do que a favor. Existia uma hierarquia entre os tripulantes, com oficiais predominantemente italianos no topo, uma série de trabalhadores de várias partes do mundo no meio e principalmente chineses, indianos e filipinos da cozinha e lavanderia embaixo da pirâmide.

Confinado

Não tinha como escapar da realidade. Não se podia ir caminhar no parque, sair para tomar um sorvete, ir ao cinema ou encontrar os amigos num bar. Mesmo se ficasse doente, não tinha para onde fugir nos próximos cinco meses, quando venceria meu contrato.

Vivendo confinado, percebi que, em poucos dias, as pequenas decepções tomaram grandes proporções – ao contrário da cabine de uns 15 m2 (incluindo banheiro) que eu dividia com um colega italiano de humor inconstante.

Para piorar, a academia disponível para os 1700 tripulantes era um fiasco, com um único aparelho de exercícios para as pernas. Dez minutos de lento acesso à internet custavam um euro. Como se isso não bastasse, eu era obrigado a desperdiçar as poucas horas livres que tinha com programas chatos de treinamento de primeiros socorros e conhecimentos específicos sobre o funcionamento do navio.

Alguns dias, eu trabalhava das 5h às 10h e das 15h às 19h, por exemplo. Considerando que o horário fosse cumprido, imagine o que se podia fazer durante o intervalo das 10h às 15h! Exausto, eu geralmente ia direto para a cama, mas precisava levantar duas horas depois para não perder o almoço.

Naquela viagem, passamos pela Espanha e África antes de voltarmos a Savona, na Itália, sete dias depois. Apesar da correria e do cansaço, tive a oportunidade de andar algumas horas em Túnis (Tunísia), Trípoli (Líbia) e Malta. Pelo menos para dizer que valeu a pena.

Depois que todos os turistas desembarcaram em Savona, seguimos com novos passageiros até Civitavecchia, perto de Roma, onde desembarquei sem receber um centavo para nunca mais voltar. No dia anterior, eu havia decidido que o primeiro cruzeiro também seria o último. Pelo menos como tripulante.