Recepcionista num navio cruzeiro no Mediterrâneo


Eu não tinha ideia do que me esperava quando cheguei com uma mochila enorme nas costas e o passaporte italiano novinho no bolso em Palermo, na Sicília, em dezembro de 2005.

Eu era o novo contratado da Costa Crociere, empresa com uma das maiores frotas de navios cruzeiros do mundo. Quando vi o gigante Costa Fortuna ancorado, fiquei espantado com a dimensão da “nave” e não pude evitar o frio na barriga. Me mudado várias vezes eu já tinha, mas nunca para um navio.

Quatorze andares, centenas de cabines, vários restaurantes, piscinas, lojas e uma série de outras atrações. Havia até teatros, cassino e spa a bordo. Nos primeros cinco dias, a embarcação permaneceu ancorada na capital siciliana, enquanto uma revisão geral era feita em praticamente todos os compartimentos. Nesse período, aproveitei para conhecer o que e quem podia e participei de um treinamento intensivo com os demais dez front desk operators, meus colegas de trabalho da recepção.

Dias antes do Natal, o Costa Fortuna partiu com cerca de 1700 tripulantes e 3300 passageiros. Assim que nos afastamos da terra firme, foi feita uma simulação de incêndio, o que serviu para “quebrar o gelo” entre tripulantes e turistas. Horas mais tarde, éramos uma verdadeira cidade em alto-mar – ainda que um mero pontinho visto lá de cima, no céu.

Os contras

Não demorou muito para que o encantamento fosse substituído pelo estresse. A recepção ficava aberta 24 horas por dia. Em frente a ela, filas de passageiros de todas as idades e com os mais variados anseios eram formadas a maior parte do tempo. As pessoas faziam perguntas sobre direções ou o cardápio, iam registrar cartões de crédito para o pagamento, reclamavam sobre defeitos nos banheiros de suas cabines e por aí ia.

Como front desk operator, eu tentava resolver o problema de todos falando seis línguas e mantendo sempre a calma. Sempre de terno e gravata e em pé. Nove, dez, até quinze horas por dia.

Além da sobrecarga no trabalho, tinha de conviver com o cinismo e a falta de cordialidade dos superiores. Minha própria chefe, a chefe dela e o chefe da chefe dela, por exemplo, pareciam mais estar contra os funcionários do que a favor. Existia uma hierarquia entre os tripulantes, com oficiais predominantemente italianos no topo, uma série de trabalhadores de várias partes do mundo no meio e principalmente chineses, indianos e filipinos da cozinha e lavanderia embaixo da pirâmide.

Confinado

Não tinha como escapar da realidade. Não se podia ir caminhar no parque, sair para tomar um sorvete, ir ao cinema ou encontrar os amigos num bar. Mesmo se ficasse doente, não tinha para onde fugir nos próximos cinco meses, quando venceria meu contrato.

Vivendo confinado, percebi que, em poucos dias, as pequenas decepções tomaram grandes proporções – ao contrário da cabine de uns 15 m2 (incluindo banheiro) que eu dividia com um colega italiano de humor inconstante.

Para piorar, a academia disponível para os 1700 tripulantes era um fiasco, com um único aparelho de exercícios para as pernas. Dez minutos de lento acesso à internet custavam um euro. Como se isso não bastasse, eu era obrigado a desperdiçar as poucas horas livres que tinha com programas chatos de treinamento de primeiros socorros e conhecimentos específicos sobre o funcionamento do navio.

Alguns dias, eu trabalhava das 5h às 10h e das 15h às 19h, por exemplo. Considerando que o horário fosse cumprido, imagine o que se podia fazer durante o intervalo das 10h às 15h! Exausto, eu geralmente ia direto para a cama, mas precisava levantar duas horas depois para não perder o almoço.

Naquela viagem, passamos pela Espanha e África antes de voltarmos a Savona, na Itália, sete dias depois. Apesar da correria e do cansaço, tive a oportunidade de andar algumas horas em Túnis (Tunísia), Trípoli (Líbia) e Malta. Pelo menos para dizer que valeu a pena.

Depois que todos os turistas desembarcaram em Savona, seguimos com novos passageiros até Civitavecchia, perto de Roma, onde desembarquei sem receber um centavo para nunca mais voltar. No dia anterior, eu havia decidido que o primeiro cruzeiro também seria o último. Pelo menos como tripulante.

4 comentários:

Renan Dias disse...

Elton, voce ja tinha uma experienci anterior como recepcionista? Quais os testes que teve de fazer para ser admitido?
Sua ajuda me será uma mão na roda, pois fui chamado para uma entrevista para a Costa Crociere.
Abraço
Renan

Elton Hubner disse...

Olá, Renan!
Eu trabalhava havia alguns meses como recepcionista num camping em Roma, mas não acho que experiência era tão importante pra eles. Se você passar na entrevista, provavelmente terá uma semana de treinamento que envolverá inclusive primeiros socorros, natação e combate a incêndio. O uniforme é meio caro, mas, se nada mudou, o valor será descontado do seu salário.
Talvez minha experiência teria sido completamente diferente se minha chefe fosse outra, se o navio tivesse outro roteiro etc. Portanto, sucesso!

Renan Dias disse...

Olá Elton!
Esta semana passei pela entrevista para ser GSO da Costa Crociere aqui em Curitiba. A recrutadora fez uma entrevista em 5 idiomas comigo. Percebi realmente que os requisitos principais eram os idiomas. Muito menos pedida era a experiência na área. Agora começo o STCW e, em outubro, começa o training para a Costa em Santos. Meu embarque está previsto para fins de novembro, mas ainda não tomei conhecimento do itinerário. Vamos ver no que vai dar, hein? Sendo ou não GSO no futuro, pretendo me tornar multicidadão, assim como você.
Até mais !!!

Samuel Infante disse...

Eu trabalhei durante 3 anos para a Princess Cruises, como assistente de empregado de mesa. Sim, realmente e extenuante... Acima de tudo e preciso ter uma grande força espiritual, para conseguir chegar ate ao fim. Estou arrependido de me ter demitido.