Donato: o caminhoneiro italiano


Já fazia duas horas que minha irmã Lise e eu torrávamos à beira da Autostrada. Já tínhamos percorrido algumas centenas de quilômetros desde Frankfurt, na Alemanha, até Verona, na Itália. Não seria difícil chegar antes de escurecer em Urbino, no leste do país. Pelo menos era isso que havíamos pensado quando nossa carona alemã nos deixou no acostamento da rodovia.

Pegar carona nunca tinha sido fácil. Porém, jamais tínhamos passado tanto tempo sem que um carro sequer parasse pelo menos pra nos levar até a cidade seguinte. Naquela tarde quente de verão, o único automóvel que havia estacionado até então tinha sido uma viatura, cujos polizioti puxaram nossa orelha porque pegar carona na rodovia era proibido.

Poucos minutos depois, uma enorme carreta branca diminuiu bruscamente a velocidade e parou no acostamento. Lise e eu corremos até a cabine com as mochilas pesadas nas costas e o suor pingando no rosto. Quando a verdadeira porta da esperança se abriu, tomamos um susto. Donato, o provinciano italiano com cara de malandro e barba por fazer no volante não dava uma das melhores impressões, digamos assim...

“Entramos ou não entramos?”, nos perguntamos sem abrir a boca, com uma mistura de medo e excitação em nossos semblantes. Quisemos saber aonde ele iria. “Livorno”, respondeu. Madre mia, onde ficava aquilo? “Na costa oeste.” Sendo sensatos, éramos obrigados a recusar, pois rumávamos exatamente para a direção contrária. Porém, o espírito aventureiro e o medo de passarmos a noite acampando à beira da estrada nem tomou conhecimento da sensatez. Sentados ao lado de Donato no alto da carreta, vibramos juntos com o motor. “Andiamo a Livorno allora!”

Nas horas seguintes, Donato tentava ganhar nossa confiança esbanjando simpatia – o que seria mais fácil se seus interesses pela minha irmã fossem menos nítidos. De qualquer forma, ficamos aliviados quando ele nos contou que morava com a esposa e os dois filhos e aceitamos o convite para jantarmors e passarmos a noite na casa deles.

A familia nos recebeu com afeição e certa empolgação. No dia seguinte, feriado na cidade, fomos todos à praia e, à noite, assistimos ao espetáculo de fogos de artifício à beira da água.

Donato procurava ao mesmo tempo um emprego na cidade para nós e uma carona até Urbino, onde já tínhamos um trabalho à nossa espera. Infelizmente, não obtivemos sucesso em nenhuma das duas coisas, mas passamos três dias inesquecíveis na praia, sendo mimados por Donato e sua família. Na casa da família, até retirar os copos da mesa nos havia sido proibido!

Antes de partir, Donato nos presenteou com um pequeno dicionário de alemão-italiano. Dez anos depois, o presente continua na estante, imortalizando não só palavras, mas também boas recordações.

Um comentário:

ana luiza verzola disse...

Lembrei do livro "A Fantástica Volta ao Mundo", do Zeca Camargo. Ele relata cenas mais ou menos desse tipo. Cenas, lembranças, boas lembranças. Que não merecem ficar no armário. :)