Relato de uma sobrevivente (Guatemala parte 3)

Izabela Cumatzil foi uma das personagens que me ajudaram a entender e escrever sobre o trágico período de guerra civil da Guatemala. Em 04 de setembro de 2003, ela contou:


Perdi dois irmãos nos massacres. Um em 1981; o outro, em 1982. Às vezes começamos a contar nossa história e temos sentimentos fortes de verdade. E não gostamos de voltar ao tema dos massacres. Também sou testemunha do que fizeram, de todas as torturas, mas é muito doloroso contar.


Os soldados usavam os jovens para carregar suas coisas de um lugar para outro e faziam os homens trabalhar e cavar um poço grande para que eles mesmos fossem enterrados. As mulheres, eles as estupravam. Principalmente as moças solteiras. As estupravam até que as matavam. Das mulheres grávidas, cortavam a barriga, tiravam os bebês de dentro e os colocavam sobre as pernas das mães. Tudo isso fez o exército.


Agarravam as crianças pequenas pelos pés e as matavam. Também metiam homens, mulheres e crianças que não podiam matar a bala dentro das salas de reunião e nas capelas e os queimavam. Jogavam gasolina... Dentro estava toda a gente e a molhavam com gasolina. Com os soldados em volta, do lado de fora, como se poderia escapar?


Queimavam as casas com tudo dentro. Inclusive as pessoas - homens, mulheres, velhos, crianças... se acabou, viraram cinzas! Foi isso que aconteceu em Cuarto Pueblo no dia 14 de março de 1982. Foi muito cruel.


Nós, os sobreviventes, não fomos ao mercado no povoado. Por isso escapamos. O que fizemos foi fugir. Nos encontramos com outros sobreviventes, nos organizamos em poucas famílias e fomos para baixo das montanhas. Deixamos nossas casas abandonadas. Ficaram animais, ficou tudo. O que podíamos carregar é o que pudemos levar.


O exército sempre procurou as pessoas no centro, nas casas. Onde chegavam, não havia mais ninguém. Então, começaram a queimar as casas. Quanto aos animais, os comeram ou os levaram. Todos os soldados fizeram o que quiseram.


Nessa época, eu não tinha filhos, mas estava grávida. Com sete meses de gravidez, tive que correr fugindo com meu marido e outras famílias. Cruzamos a fronteira com o México e outras famílias que estavam na redondeza também puderam se esconder, enquanto o exército permanecia em Cuarto Pueblo.


Oito dias depois do massacre na comunidade, nossos esposos descobriram que os soldados haviam saído de nossas casas. Então, nossos maridos foram até o centro, por onde o exército entrou primeiro. Segundo eles, os animais estavam comendo seus próprios donos. As casas e os donos já haviam sido queimados. Então as galinhas, os cachorros e os porcos... estavam todos ali comendo seus donos.


O medo se apossou de todos nós que pudemos sobreviver e nos esconder. É assim que permanecemos embaixo da montanha e como surgiram as Comunidades de Povoação em Resistência (CPR).

Um comentário:

Nise disse...

Virei fâ do seu blog
Voltarei mais vezes com certeza
Tenha uma òtima semana!
bjos