Relatos de jovens testemunhas (Guatemala parte 2)

Quando conheci Esperanza Ramírez Pablo, em 2003, ela tinha 20 anos e era professora em Primavera del Ixcán, pequena comunidade formada por cerca de 300 famílias.

Num texto publicado em 1999, descobri que Esperanza havia escrito uma carta aos 11 anos contando a seguinte história:
Em minha comunidade, uma senhora tinha dado à luz um filho havia pouco tempo quando tivemos que sair em emergência porque o exército estava próximo à Comunidade. Naquele dia, ela teve de sair correndo, sem poder levar suas coisas.

Os soldados vinham tão perto que viram a mulher e a seguiram. Muito angustiada, ela se preocupava sobretudo com o filhinho que carregava nas costas. Sem entender o que estava acontecendo, ele chorava e chorava sem descansar e isso fazia com que os soldados soubessem por onde a senhora caminhava.

Ela não podia dar de mamar nem tranquilizar seu filho. Até que se meteu em uma valeta por onde corria um pequeno riacho que fazia um pouco de ruído. Ali, ela aproveitou para dar de mamar à criança, pensando que estavam a salvo.

Se espantou quanto ouviu os soldados. O que ela fez lhe doeu muito, mas pensou por uns segundos que não havia outra saída: deixou ali mesmo a criança e seguiu correndo para a montanha.

Os soldados chegaram aonde estava o menino, levantaram-no e golpearam-no forte contra as pedras. Ele morreu dessa maneira e foi deixado ali quando os soldados se foram.
Muitas outras crianças presenciaram cenas traumatizantes durante os conflitos armados. No livro Masacres de la selva, de Ricardo Falla, descobri um trecho em que um pequeno garoto conta como presenciou o assassinato de uma mulher durante o massacre em Santa María Tzejá no dia 15 de fevereiro de 1982:
Havia uma mulher grávida. Partiram-lhe o estômago e tiraram-lhe o filhinho. Cortaram a cabeça de um outro (homem) e a meteram no estômago da mulher. Um menininho pôde escapar, se enfiou em um lugar e contou o que haviam feito à sua mamãe.
Para quem nunca passou por situações como as narradas acima, é difícil imaginar as consequências psíquicas com que tanto crianças quanto adultos perseguidos pelos soldados tiveram que conviver. Mesmo depois de muitos anos, as memórias dos acontecimentos trágicos causados pelo exército permanecem frescas entre os sobreviventes dos tempos de guerra.

Os desenhos a seguir, feitos por Edgar Monzón Alvarado, com 25 anos em 2003, demonstram isso. O autor das figuras passou toda a sua infância fugindo dos kaibiles (soldados) e das patrulhas civis entre as montanhas do estado de El Quiché.

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