Um mês dormindo na casa de (quase) estranhos no México


Em 2002, me aventurei por um mês em terras mexicanas. Quando fui, não conhecia ninguém por lá. Entretanto, viajei 30 dias do Pacífico ao Atlântico sem passar uma noite sequer em hotel. Quer saber como?

Quando cheguei no aeroporto internacional da capital, esperei que Mikhail Moura, membro do Hospitality Club com quem eu havia trocado alguns emails nas semanas anteriores, me identificasse. Assim que um rapaz alto se aproximou e perguntou “Elton?”, parecia que éramos velhos conhecidos.

Já no aeroporto, conheci também sua irmã, Varenka, e fomos pra casa da família, onde passei quatro belos dias com um quarto só pra mim, comida à vontade, Internet (luxo na época), telefone e outras regalias.

Uma noite, dançando salsa numa discoteca da cidade, comentei com Mikhail e sua namorada, Fernanda, que queria ir para Acapulco. Eu precisava, porém, de algum lugar pra ficar por lá. Fernanda se lembrou na hora de uma amiga que tinha e, no dia seguinte, recebi a boa notícia: eu poderia ficar, por tempo indeterminado, na casa de Israel, primo de uma amiga da namorada do Mikhail.

No caminho a Acapulco, passei um dia em Taxco e, à noite, cheguei a Cuernavaca, onde dormi na casa da mulher que havia viajado ao meu lado no avião. No dia seguinte, finalmente cheguei à praia mexicana mais conhecida no Pacífico, onde Israel já esperava na rodoviária.

A terra do Chaves

Israel era a simpatia em pessoa. Filho de um engenheiro civil, ele já se destacava, aos 24 anos, no ramo da arquitetura. A própria casa onde sua família morava (de três andares) havia sido caprichosamente construída por ele e seu pai, engenheiro civil.

No meu segundo dia na casa, surgiram duas surpresas tanto mim quanto pra toda a família de Israel. Primeiro, um primo seu (Ricardo) acabava de chegar pra passar cinco dias de férias em Acapulco. Segundo, ele tinha trazido quatro amigos junto e pediu se todos poderiam ficar ali. “Uau, o cara é louco”, eu pensei... Mas acabamos todos sendo bem acomodados na casa. Detalhe: continuei com um quarto só pra mim.

Logo me enturmei com os rapazes mais do que com Israel. Íamos à praia, jogávamos bola e pulávamos à noite do segundo andar da casa na piscina. Passei a chamá-los de “los cinco pendejos”. Passados os cinco dias, chamaram:

Proposta irrecusável

“Elton, vamos con nosotros a nuestra ciudad!” San Luís Potosi, onde eles moravam, era longe pra dedéu - uns 800 km de Acapulco. Além disso , já eram cinco num carro destruído. Em outras palavras: adorei e é claro que fui junto.

Em San Luís, fiquei na casa do Carlos. Doi dias depois, eu tinha que ir para Cancún, onde pegaria o avião de volta ao Brasil. Mais uma vez comentei que precisava encontrar um lugar para ficar e... Adivinhe!

Após um dia inteiro num ônibus, lá estava eu em Playa del Carmen, no Caribe, pertinho de Cancún, na casa de Yovani. Quatro ou cinco dias depois, voei de volta pra casa.

Ah, sim! Quem era Yovani? Primo de Carlos, que era amigo de Ricardo, que era primo de Israel, que era aquele primo de uma amiga da namorada de Mikhail, que eu tinha conhecido na Internet.


Sem ter onde dormir em Viena


Depois do sufoco que passamos sendo barrados na viagem à Hungria, Anne e eu voltamos de trem à capital austríaca e pegamos o ônibus para o camping onde havíamos passado as três noites anteriores.

Quando chegamos, ele já estava fechado. Os check-ins encerravam às 22h. Sem ideia de aonde ir e muito menos com dinheiro para pagarmos um hotel no centro da cidade, saímos caminhando pelas ruas da vizinhança.

Minha sugestão era bater nas portas das residências e pedir para que, caridosamente, nos deixassem passar a noite lá. Tudo bem que isso já tinha funcionado em Portugal, mas, cá entre nós, há um abismo entre a hospitalidade lusitana e a austríaca.

Portanto, logo percebemos que isso não daria certo em Viena. Foi então que encontramos um sobrado com uma placa informando que havia quartos para hóspedes. Ou seja, era uma pousada.

Check-in?

Tocamos a campainha várias vezes em vão. Passamos pelo portão aberto, abrimos a porta destrancada e procuramos por alguém na recepção. Ninguém.

Continuamos ousados. Subimos até o primeiro andar, até o segundo e giramos a maçaneta de um quarto no terceiro piso. A porta se abriu e vimos que o quarto, com cama de casal, estava arrumadinho. “É aqui mesmo”, concordamos.

Dormimos muito bem e acordamos cedíssimo para tomarmos um longo banho antes de partirmos – de preferência sem encontrarmos os donos da casa.

Check-out?

Depois do banho, arrumamos a cama e tentamos apagar todos os vestígios da nossa estadia. Nos vestimos, colocamos as mochilas nas costas e, quando íamos descendo sorrateiramente as escadas, a anfitriã nos surpreendeu. Como dois anjinhos, dissemos algo como: “Puxa, íamos procurá-la agora porque chegamos tarde e já temos que ir agora cedo.”

Duvido que ela tenha acreditado, mas não houve estresse, pagamos pelo quarto e fomos embora. O preço era até razoável, mas se soubéssemos que pagaríamos pela cama, teríamos continuado dormindo nela pelo menos a manhã inteira.

Tentando entrar na Hungria sem visto

Alguns anos atrás, fui passear em Viena com Anne, uma namorada alemã. Depois de três ou quatro dias de turismo na capital austríaca, “deu a louca” e decidimos pegar o trem para Budapeste.

Eu sabia que cidadãos brasileiros precisavam de visto para atravessar a fronteira, mas decidimos arriscar sem ele, mesmo. Assim, compramos uma passagem e, com mochilas nas costas, entramos em uma cabine com seis lugares e ali ficamos quietinhos.

Em pouco tempo, o trem parou e alguns policiais entraram. Pelo menos é o que deduzimos, pois não tínhamos coragem de ir até a porta e colocar a cabeça para fora.
A parada foi curta e, assim que a locomotiva voltou a funcionar, entramos um estado misto de alívio e euforia. Pena que durou pouco.

Controle

Os oficiais da imigração húngaros entraram na nossa cabine e, gentilmente, pediram para ver nossos passaportes. À Anne, bastou mostrar a carteira de identidade alemã e podia prosseguir a viagem tranquila.

Eu, no entanto, queria mostrar qualquer coisa – menos o passaporte brasileiro, o qual, na época, era verde. Comecei entregando uma carteira internacional de estudante feita meses antes em Portugal.

Não funcionou. A cara de bobo, o espírito eventureiro de 18 anos e a explicação de que seriam “só duas noites em Budapeste” também foram em vão.

Acabamos descendo na parada seguinte, onde ficamos esperando sentados no chão, escoltados por um soldado que não falava nada além de húngaro, até o próximo trem em direção a Viena passar.

Quando voltamos à capital da Áustria, o camping em que havíamos ficado nas noites anteriores já estava fechado. É assim que começa a próxima história...

Ganhando dinheiro desenhando



Foi mais ou menos com quatro anos que comecei a desenhar. Pouco mais tarde, enquanto as outras crianças (e as professoras) faziam os admiráveis homens e mulheres-palitos, meus seres humanos já tinham peito, pescoço, braços e até pés.

As primeiras noções de sombra vieram aos 12 ou 13 anos. Depois, as técnicas de perspectiva e profundidade. Com 16 anos, eu já copiava qualquer ilustração, adorava desenhar o Wolverine e arriscava fazer retratos de pessoas famosas e bem chegadas – ótimas cobaias.

Desenhar era um vício que eu alimentava em casa, na escola e, eventualmente, também nas viagens mundo afora.

Numa dessas viagens, algo mudou. Foi em Paris, quando babei vendo alguns artistas fazerem caricaturas dos turistas em poucos minutos. Como eu ainda recebia mesada na época, imaginei que aqueles desenhistas ganhavam uma boa grana com aquilo e acabei sonhando: “Puxa, imagine se um dia eu puder desenhar tão bem e tão rápido assim! Será que seria capaz de ganhar dinheiro em qualquer lugar?”

Primeiras moedas

Um ano e meio depois, parei numa rodoviária em Corrientes, na Argentina, enquanto ia de Assunção a Córdoba. O próximo ônibus só sairia sete horas depois. Sem mais o que fazer, tirei uns lápis da bolsa e comecei a fazer esboços dos rostos de alguns passageiros que também estavam sentados por perto.

Uma criança curiosa se aproximou e atraiu a atenção de um zelador, o qual parou, riu e chamou um colega. Quando me dei conta, eu estava rodeado de gente e alguém perguntou: “Cuánto cobrás para dibujarme a mí?” Surpreso, respondi: “Un peso!”

Não era muito, mas foi a primeira vez que eu recebi algo por desenhar. Quando embarquei no ônibus, tinha ganhado sete pesos, que equivaliam a 14 reais.

Não parei mais e o valor foi aumentando. Tanto que, menos de dois anos mais tarde, com cada caricatura que eu fazia, conseguia pagar duas noites do hotel em Pushkar, uma pequena cidade na Índia.

Desesperado

Uma vez, em Cancún, faltando ainda quatro dias para voltar ao Brasil, perdi minha carteira com o cartão de crédito e uns dólares que eu havia acabado de sacar no banco. Sem cartão de crédito e sem dinheiro – o que podia fazer?

O jeito foi pegar minha prancheta, folhas e lápis de cor, colocar a mochila nas costas e sair pela praia perguntando quem queria uma caricatura. Depois de hesitarem, quatro italianos toparam entrar na brincadeira, apesar da indisposição para pagar muita coisa pelo trabalho.

No final, felizmente se divertiram com os cabelos, orelhas, bocas e narizes exagerados e me ajudaram a conseguir outras vítimas outros clientes. No fim das contas, aquele dia de trabalho foram suficientes para eu passar os três dias seguintes aproveitando a beleza do Caribe.

Muda o país, muda a comida


Se você for passar uma temporada na Europa ou na América do Norte, é bom começar a se preparar psicologicamente. Assim como quando teve de abandonar seu ursinho ou travesseiro quando era criança, agora vai chegar a hora de dizer adeus ao diário arroz e feijão.

Em alguns lugares, a maioria das pessoas nunca viu uma panela de pressão. Se viu, não tem a mínima ideia pra quê serve. Provavelmente, você encontrará feijão em pequenas latas, mas com aquele tom marronzinho e o sabor do que você come na sua casa no Brasil… esqueça!

A abdicação não vai parar por aí. Pastel, farofa, pão de queijo, cachorrão com batata palha, paçoca, pé de moleque, bolo de cenoura e nega maluca – também já eram!

Nem tudo está perdido 

Pra quem sentir falta dos doces da terra-natal, eis um alívio: a cada ano que passa, leites condensados ocupam as prateleiras de mais supermercados. Pelo menos o brigadeiro está garantido! Agora cuidado: não comece a fazer um pavê sem ter certeza de que irá encontrar Guaraná no lugar em que você estiver.

“E a cachaça?”, você deve estar perguntando. Jamais a encontrei em supermercados do Hemisfério Norte, mas confesso que também nunca procurei (rs). Apesar de ser leigo no assunto de bebidas alcólicas, acho que tal da caipirosca com vodca não fica tão diferente da caipirinha com pinga. Se ficar ruim, você toma tudo sozinho e pronto.

Outro gosto 

Algumas coisas ainda estarão disponíveis em qualquer lugar, mas não necessariamente com o gostinho com que você está acostumado. Quando experimentar o chocolate, a pizza e a carne de outros países, você vai saber do que estou falando.

E por falar em carne, provavelmente você tenha se acostumar com três coisas. Uma: comer menos. Duas: incluir carne de veado, carneiro e pato ou ganso no seu cardápio. Três: tolerar carne mal passada. Mesmo de frango. Credo!

Não se assuste com a falta de noção dos europeus, por exemplo, ao comerem frutas. Em pouco tempo, você vai rever seu conceito de “suco de laranja”, se acostumar com pessoas descascando laranja com as mãos ou comendo a maça inteira - com semente e tudo. E sabe quando a banana está no ponto, cheia de pintinhas marrons? Já passou do ponto pras pessoas que jamais viram uma bananeira crescer nos seus países.

A parte boa 

Mas calma porque também há coisas boas. O leite na Europa é uma delas. Barato e espesso, acaba sendo também responsável por uma enorme variedade de iogurtes e queijos pra todos os gostos. Todos mesmo.

E já ouviu falar do pão alemão? Do queijo marrom norueguês? Da paella espanhola? Do vinho italiano? E dos doces canadenses do Tim Hortons, do cheese cake estadunidense, do fondu suíço, do goulash húngaro..? A lista é enorme. E tinha que ser, mesmo. Afinal de contas, você vai ver que aguentar a falta de um bom bife com arroz e feijão não é fácil.